A Páscoa é, sem dúvida, não apenas do meu ponto de vista, mas geral, a celebração mais importante do calendário litúrgico. Ela marca o fim de um período de tristeza e simboliza a vitória da vida sobre a morte e a renovação da esperança, sendo conhecida como o Mysteries Paschale – o mistério pascal – que se revela na ressurreição de Jesus Cristo.
Diferente do que muitos pensam, a Igreja não criou essa data do nada, pois suas raízes históricas e espirituais se entrelaçam com a tradição judaica e as Sagradas Escrituras, especialmente com o Pesach, a Páscoa judaica, que marca a libertação dos hebreus do Egito. Assim, a Páscoa não só reinterpreta os eventos do Antigo Testamento, como os transcende, trazendo uma nova luz à continuidade da revelação divina.
Crucificamos Jesus novamente na Páscoa?
A ideia de que estamos “re-crucificando” Jesus durante a Páscoa, ou mesmo nas Missas, nasceu de um equívoco protestante sobre a natureza da celebração litúrgica.
A comemoração pascal não é uma reencenação literal do sacrifício, mas um memorial sagrado que recorda o único e definitivo sacrifício de Cristo e, sobretudo, celebra sua ressurreição. Como bem ensina a Escritura em Hebreus 9, 28:
> “assim Cristo se ofereceu uma só vez para tomar sobre si os pecados da multidão, e aparecerá uma segunda vez, não porém em razão do pecado, mas para trazer a salvação àqueles que o esperam.
Essa passagem reforça que o sacrifício de Jesus foi único e eficaz, a fé católica nunca pregou nada diferente do que está escrito. Além disso, os Padres da Igreja, como Santo Agostinho e São João Crisóstomo, enfatizavam que a liturgia pascal é uma participação mística no mistério da redenção, onde os fiéis recordam com gratidão o amor redentor de Cristo, sem de forma alguma efetuar uma repetição material de seu martírio. Eles explicavam que o ritual eucarístico pascal remete à entrega completa de Jesus, permitindo que a comunidade viva, espiritualmente, os mistérios da paixão e da ressurreição, sem reproduzir literalmente o sofrimento.
Desse modo, a celebração da Páscoa é entendida como um convite à reflexão, à renovação da fé e ao reconhecimento do triunfo da vida sobre a morte, reafirmando que o sacrifício de Cristo foi, e permanece, uma vez por todas para a salvação da humanidade.
Tais acusações fazem parte de um princípio ativo do protestantismo, de tentar interpretar tudo da forma literal e criticar qualquer coisa do catolicismo, porque essa é a única função deles.
As Origens Judaicas e a Última Ceia
O catalisador dos eventos pascais foi a Última Ceia, que, de acordo com os Evangelhos, ocorreu durante a celebração do Pesach. Nesta refeição, Jesus instituiu a Eucaristia, deixando claro o significado sacrificial de sua missão. Como afirma São Paulo em sua carta aos Coríntios, > “Porque, assim como a morte veio por um homem, também por um homem veio a ressurreição dos mortos.”
Diferente do que afirma o protestantismo acerca do assunto, dizendo que isso é só mais um dos equívocos do catolicismo, essa celebração – originalmente um rito de libertação no contexto judaico – assume, na nossa tradição, novas dimensões de redenção e transformação. Jesus, ao partilhar o pão e o vinho, não apenas recordou a tradição do Pesach, mas inaugurou um novo pacto, anunciando que o seu sacrifício seria o meio pelo qual a humanidade encontraria a salvação. É a isso que recordamos, pois o catolicismo não é uma religião de neologismos bíblicos.
Simbolismo e Significados Profundos
A transição do Pesach para o Pascha está carregada de simbolismo.
No antigo rito judaico, o cordeiro pascal era sacrificado, e seu sangue, preparado para proteger os lares dos hebreus durante a décima praga do Egito, tornava-se um sinal de salvação. Em paralelo, para nossa fé, o sangue de Cristo – figurativamente derramado na cruz – representa o preço do perdão dos pecados, estabelecendo uma conexão direta entre o sacrifício do cordeiro e o sacrifício divino.
Essa correspondência não é meramente simbólica; ela remete à profecia de Isaías, onde se lê: > “Eis que o meu servo agirá com prudência; ele será exaltado e elevado, e, de fato, muitos se assim hão enganado; mas ele mesmo suprirá as iniquidades de muitos.” Dessa forma, a Páscoa revela o cumprimento das promessas do Antigo Testamento, em que o sofrimento conduz à redenção e à renovação.
A Tradição da Igreja na Celebração da Páscoa
A riqueza da Páscoa está também na sua tradição litúrgica, que percorre o Tríduo Pascal – um período de grande significado que inicia com a Quinta-feira Santa, passa pela Sexta-feira (o dia da Paixão) e culmina com a Vigília Pascal e o Domingo de Ressurreição. Cada etapa deste rito é carregada de simbolismos que recordam o mistério da redenção. O Catecismo da Igreja Católica ressalta que:
> “A ressurreição de Cristo é o fundamento e o ápice de toda a fé cristã.”
Neste contexto, a liturgia pascal não se limita a um simples rito comemorativo; ela propicia uma verdadeira jornada espiritual. Os fiéis são convidados não só a recordar o sacrifício e a paixão de Jesus, mas também a vivenciar, por meio da oração e da meditação, a esperança que se renova a cada ano.
Além disso, termos originais como Pascha e expressões litúrgicas em latim, como Resurrectionis Domini (“A Ressurreição do Senhor”), continuam a circular na celebração, nos conectando com às suas raízes históricas e espirituais. Essa continuidade revela uma tradição que se renova sem jamais perder de vista seu significado primordial: a vitória divina sobre a morte e o triunfo do amor e da misericórdia.
Considerações Finais
A origem da Páscoa é uma rica tapeçaria teológica tecida a partir de raízes judaicas e transformada pela vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Ao revisitar essa celebração, somos convidados a meditar sobre a profundidade do sacrifício e a renovação espiritual que ela traz. Cada elemento – do símbolo do cordeiro ao rito da Eucaristia – nos fala de um amor redentor, que transcende o tempo e nos chama à reflexão sobre a verdadeira essência da fé.
Neste período pascal, que possamos reconhecer não apenas os rituais, mas também a mensagem de esperança e renovação que ecoa através dos séculos, lembrando-nos que, conforme a tradição, “Cristo ressuscitou, verdadeiramente ressuscitou.”
Por Gilson Azevêdo